sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A sociedade e o "juridiquês"

Não é novidade dizer que a maior parte da população desconhece o teor das leis. Além das dificuldades financeiras que separam o indivíduo e o Direito, existem também as dificuldades culturais. Ao invés de possuir uma linguagem simples, voltada para o entendimento geral, os materiais jurídicos costumam vir munidos de expressões complexas, desconhecidas (a não ser pelos profissionais do meio) e, na maioria dos casos, dispensáveis, já que poderiam ser substituídas por palavras mais populares.

Conta-se que, na década de 80, em uma decisão, um juiz escreveu que o réu deverá ser encaminhado ao ergástulo público. O delegado, novo no cargo, passou então a procurar o ergástulo da cidade, para que a ordem fosse cumprida. Depois de alguns dias, sem o cumprimento da sentença, o juiz explicou que "ergástulo" significava presídio. Só então foi feito o recolhimento do condenado.

Em 11 de agosto de 2005, a Associação dos Magistrados Brasileiros lançou uma campanha intitulada "Simplificação da Linguagem Jurídica". A partir de então, o termo "juridiquês" tornou-se conhecido, sendo utilizado no País para designar o uso desnecessário e excessivo das palavras técnicas do Direito.

Apesar de até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ter se manifestado a favor da substituição do juridiquês por palavras mais populares, essa simplificação nem sempre é bem vista pelos conservadores profissionais da área. Há aqueles que são a favor da manutenção dos termos, defendendo uma velada elitização dos que detêm o "grande privilégio" do saber jurídico.

Se o Direito é lei e ordem, surge da convivência do homem com o homem e visa organizar a vida em sociedade e coordenar interesses, sendo, portanto, essencialmente popular, nada mais justo do que dar ao povo condições de compreendê-lo. O chamado jargão jurídico confunde mais do que informa e afasta o cidadão dos seus direitos. Uma democratização desse saber é necessária, buscando sempre a aproximação entre população e justiça. Não se pode restringir conhecimento tão importante a tão poucas pessoas. É preciso levar em conta as diferenças culturais existentes no País, para que o Direito atinja o maior número possível de brasileiros. Deve-se fazer justiça para todos, sem perder de vista as dificuldades que muitos encontram para ter acesso a ela.

Diz a Constituição Federal que "ninguém pode escusar-se de cumprir a lei, alegando não conhecê-la". No entanto, talvez fosse mais correto (ou, no mínimo, mais humano) dizer que ninguém deve ser obrigado a obedecer aquilo que desconhece.

Providências têm sido tomadas para diminuir o abismo entre povo e entendimento jurídico, mas ainda há muito o que ser feito para que essa democratização seja realmente eficaz. Afinal, deveres devem ser cumpridos, direitos devem ser respeitados (ou até exigidos), e a melhor forma de se trilhar esse caminho é, sem dúvida, sob a luz do esclarecimento
MARIANA MOURÃO
Advogada

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